Artigo: Educação com plumas

                                                                                              Flávia Gonzalez Leite[1]

                                                                                              Érica Ellen Beckman da Silva[2]

Em seu célebre poema “O cão sem plumas”, João Cabral de Melo Neto retrata a degradação do Rio Capiberibe-PE, ao mesmo tempo em que desmascara a realidade nordestina e a condição humana típica daquela região. O cão desemplumado, portanto, é a metáfora de Cabral para tudo que é indigno, miserável, desprovido de sonho e beleza, ao asserir que “aquele rio era como um cão sem plumas. Nada sabia da chuva azul, da fonte cor-de-rosa, da água de cântaro, dos peixes de água, da brisa na água. Sabia dos caranguejos de lodo e ferrugem. Sabia da lama (...)”.

A realidade brasileira atual não discrepa da retratada pelo autor há mais de 60 anos, mormente quando se fala em educação. Passados 3 (três) anos de vigência do Plano Nacional de Educação, pelo menos oito das vinte metas estipuladas para garantir o acesso e a qualidade à Educação Básica e Superior estão com prazos finais ou intermediários vencidos.

 

 

 

Pela primeira vez, entretanto, diversos municípios maranhenses terão a oportunidade de mudar esta situação. Muitos estão na iminência de receber milhões de reais, ainda em 2017, via precatórios da União relacionados a pagamento de diferenças do antigo FUNDEF, atual FUNDEB, fundos cujos recursos têm aplicação vinculada a ações e serviços de educação (art. 60 do ADCT). Outros tantos municípios também pleiteiam receber estes valores futuramente. Grande parte das sentenças das quais se originaram os precatórios determinam que os créditos a receber sejam integralmente depositados nas contas do Fundo. Poderiam questionar: não seria muito dinheiro para aplicar somente em educação, em detrimento de outras áreas não menos importantes, como saúde e infraestrutura? A resposta é negativa.

Ainda há muito a fazer pela educação em nosso Estado, que, não raras vezes, aparece nos noticiários nacionais por ainda ter alunos transportados em “paus de arara”, frequentando escolas de taipa ou “escolas em barracão” e estudando em salas multisseriadas. Investimentos maciços na política educacional pelos municípios certamente os levarão ao atingimento das metas estabelecidas em seus Planos Municipais de Educação. É uma grande oportunidade destes entes alavancarem seus índices de educação, cumprindo suas metas relacionadas, por exemplo, à valorização do docente, à formação adequada de professores, à universalização do ensino, à inclusão, à erradicação do analfabetismo e à  ampliação do investimento financeiro público.

Fatiar os recursos, portanto, além de ser inconstitucional, não constitui medida mais adequada à prioridade que os poderes públicos e seus orçamentos devem conferir à educação e à criança e ao adolescente. Não propicia a realização das tão esperadas mudanças que pretendemos ver implementadas em cada um dos municípios credores. É chegada a hora dos gestores revolucionarem a educação de seus municípios, conferindo mais dignidade e qualidade ao ensino disponibilizado à população, comparável, atualmente, ao “cão sem plumas” de João Cabral de Melo Neto, ao cão do qual ninguém cuida, ao cão de rua, sem enfeites. Somente estas mudanças poderão garantir aos estudantes destes municípios voz e vez no mundo, “como uma ave que vai cada segundo conquistando seu voo”.



[1]     Procuradora de Contas junto ao TCE/MA

[2]     Promotora de Justiça e Coordenadora do CAOP-Educação, em exercício.


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